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Aluna cotista perde vaga em Medicina por não ser considerada parda
Samille Ornelas, de 31 anos, foi aprovada pelo Sisu na Universidade Federal Fluminense, mas teve matrícula cancelada após decisão do comitê que contestou sua autodeclaração

Estudante baiana, Samille Ornelas, de 31 anos, foi aprovada em Medicina na Universidade Federal Fluminense (UFF) por meio de cotas raciais, mas teve a matrícula cancelada após comitê de heteroidentificação da instituição não reconhecer seus traços como compatíveis com os de uma pessoa parda.
Samille estudou em escola pública e já havia se formado em Biomedicina com bolsa do Prouni, também por meio do sistema de cotas. No processo seletivo da UFF, como previsto no edital, enviou um vídeo curto mostrando seu rosto e se autodeclarando parda. No entanto, a comissão de heteroidentificação da instituição avaliou que a candidata não apresentava “as características fenotípicas” exigidas, segundo os critérios, e indeferiu sua autodeclaração.
Ela recorreu dentro da própria universidade, apresentando novo vídeo, fotos de diversas fases da vida e a comprovação de que já havia sido beneficiária de ações afirmativas. Ainda assim, a instituição manteve o indeferimento.

Após a negativa da universidade, ela recorreu à Justiça, que concedeu uma liminar favorável reconhecendo sua identidade racial e determinando sua matrícula no curso, realizada apenas em janeiro de 2025, o que a fez perder um ano letivo. “Soube na sexta à noite que poderia ir para a aula de segunda-feira. Pedi demissão no meu trabalho no sábado, peguei um ônibus às 22h e fui para o Rio de Janeiro. Vim na correria, três dias depois de perder meu pai”, contou ao G1. Quando faltavam apenas duas provas para encerrar o período, outra reviravolta: a liminar foi cassada, e Samille teve que abandonar a faculdade.
Ao tentar acessar o sistema da universidade, teve seus dados apagados. “Minhas notas, minha grade horária, tudo tinha sumido. Deixaram apenas um aviso no sistema: ‘matrícula cancelada por liminar cassada’. Minha vida toda está assim, bagunçada, destruída, baseada em um vídeo de 17 segundos. Ninguém me viu para dizer se sou parda: nem a banca, nem a Justiça”, declarou.
No edital do Sisu da UFF, a avaliação da banca de heteroidentificação é realizada à distância. O vídeo deve ser feito em fundo branco, focando no rosto do candidato, enquanto ele cita a autodeclaração. Além disso, o candidato ainda deve finalizar o vídeo com imagens do perfil do rosto, o que deve auxiliar na análise.
Em nota, a UFF informou que o caso “está atualmente sob a esfera judicial, e que a instituição cumpre integralmente as decisões emanadas pelo Poder Judiciário, sem interferência ou autonomia decisória neste estágio do processo”. A instituição também destacou que “a candidata foi considerada inapta por duas comissões independentes e distintas, compostas por servidores e estudantes que recebem, regularmente, formação conduzida por especialistas na área dos estudos étnico-raciais”. Por fim, a universidade ressaltou que “acredita firmemente na relevância das políticas de reserva de vagas para ingresso no ensino superior e tem atuado de forma contínua em sua implementação e aperfeiçoamento, com base nos princípios da justiça, diversidade e compromisso com a função social da universidade pública”.
Apesar do sofrimento, Samille segue acreditando no sistema de cotas e nas bancas de verificação. “Só queria que admitissem que erraram”, afirmou . O processo segue na Justiça e a jovem voltou a estudar para o Enem e não pretende desistir. “A medicina é mais do que um sonho. É um propósito”