28 de outubro de 2025

Representatividade

Madame Satã pode se tornar o primeiro ícone LGBTQIAPN+ com túmulo reconhecido como patrimônio cultural no Brasil

De símbolo da Lapa à resistência negra e queer no Brasil, a trajetória de João Francisco dos Santos segue viva quase 50 anos após sua morte

• 27/10/2025
Thumbnail
Crédito: Walter Firmo

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) analisa o tombamento do túmulo de Madame Satã, uma das figuras mais emblemáticas da história brasileira. Capoeirista, artista transformista e ícone da comunidade LGBTQIAPN+, ele marcou a cultura da Lapa, no Rio de Janeiro, com uma trajetória que desafiou o racismo, a homofobia e o moralismo de sua época.

João Francisco dos Santos, nasceu em 1900, na Glória do Goitá (PE), Satã foi filho de uma família negra de ex-escravizados. Ainda criança, viveu situações de exploração e fugiu para o Rio de Janeiro aos 13 anos, onde cresceu entre os becos e cabarés da Lapa. Lá, se reinventou como artista e performer, conquistando o público com apresentações de canto, dança e humor em casas noturnas que reuniam boêmios, sambistas e intelectuais.

O nome “Madame Satã” surgiu em 1938, inspirado no filme Madame Satan de Cecil B. DeMille, após vencer um concurso de fantasias de Carnaval. O apelido, que antes poderia soar provocativo, se transformou em símbolo de poder e liberdade. Negro, pobre e gay, Madame Satã fez de sua existência um ato de resistência em um Brasil que insistia em negar a humanidade de corpos dissidentes.

Conhecido por dominar a capoeira e enfrentar a violência policial, ele viveu boa parte da vida sob o olhar punitivo do Estado, foram mais de 27 anos passados em prisões, como a Ilha Grande, sempre retratado pela imprensa da época como “perigoso” e “imoral”. Com o tempo, porém, sua imagem foi resgatada como símbolo da luta contra a opressão e a marginalização.

A possível preservação de seu túmulo, localizado no Cemitério do Catumbi, no Rio de Janeiro, reconhece esse legado. Caso o tombamento seja aprovado, o gesto simboliza uma reparação histórica e uma nova forma de pensar o patrimônio brasileiro, ampliando o que o país entende como digno de memória e de reconhecimento.

A trajetória de Madame Satã já inspirou diversas obras, incluindo o premiado filme Madame Satã (2002), dirigido por Karim Aïnouz e protagonizado por Lázaro Ramos, além de estudos acadêmicos, livros e peças teatrais. Hoje, ele é lembrado não apenas como personagem histórico, mas como um arquétipo de liberdade criativa, coragem e autoafirmação.

TAGS: