23 de novembro de 2025

Cultura

Entre ilhas e marés: quem são os Bajau e por que seu modo de vida está ameaçado

Conhecidos como “povo do mar”, os Bajau desafiam limites geográficos e corporais, mas enfrentam pressões territoriais

Barbara Braga | 21/11/2025
Thumbnail
Reprodução: jamesmorgan.co.uk | @levenaviagem

Entre as águas que se espalham pelas Filipinas, Indonésia e Malásia, vive um dos povos mais singulares do planeta: os Bajau, conhecidos mundialmente como sea nomads, ou simplesmente “povo do mar”. Por gerações, eles desenvolveram um modo de vida tão profundamente conectado ao oceano que as fronteiras entre terra firme e água se tornam quase irrelevantes. Suas aldeias parecem flutuar, seus barcos se transformam em casas, e o mar se torna extensão do corpo.

Historicamente, muitas famílias Bajau viveram em embarcações que funcionavam como lares completos, navegando conforme a pesca, o clima e as marés. Esse nomadismo marítimo atravessou séculos e consolidou uma relação íntima com o oceano, não como cenário, mas como território ancestral.

Com o tempo, parte da comunidade passou a construir vilas sobre palafitas, erguidas diretamente sobre as águas rasas. São estruturas que mais parecem suspensas no horizonte, formando pequenas comunidades conectadas por passarelas de madeira, onde o mar é rua, quintal e fonte de vida.

Essas aldeias desafiam ideias convencionais de território. Para os Bajau, a casa não é uma coordenada fixa, mas um conjunto de relações que se movem com o mar.

Corpos adaptados ao mergulho

A relação dos Bajau com o oceano é tão profunda que aparece até na biologia. Pesquisas realizadas por antropólogos e geneticistas revelaram que esse povo apresenta baços significativamente maiores do que a média de outros grupos humanos da região.

Essa característica anatômica funciona como um “tanque natural” de armazenamento de oxigênio, permitindo que os Bajau executem mergulhos livres longos, profundos e repetidos, muitas vezes sem qualquer equipamento. São mergulhadores capazes de descer dezenas de metros e ficar vários minutos submersos para pescar ou coletar recursos.

A ciência vê nessas adaptações um exemplo raríssimo de como populações humanas podem desenvolver mudanças fisiológicas ligadas ao ambiente e ao estilo de vida. Para os Bajau, porém, é apenas parte de sua vida cotidiana, um saber passado de geração para geração.

Em algumas regiões da Malásia, comunidades inteiras tiveram suas casas demolidas sob justificativa de “ilegalidade estrutural”. Para um povo historicamente não reconhecido por todos os governos como cidadania plena, a falta de documentação é parte da violência, e não uma escolha.

Isso transforma o modo de vida Bajau em um tema urgente de direitos humanos.

Entre encantamento e resistência

Os Bajau são frequentemente romantizados como “o último povo nômade do mar”, mas, longe da idealização, vivem tensões complexas provocadas por políticas modernas que não contemplam modos de vida ancestrais. A luta deles é pela permanência no território que sempre foi seu, mesmo quando esse território se move com as marés.

Hoje, pesquisadores, ativistas e organizações de direitos humanos alertam para o risco de erosão cultural. Sem proteção legal e sem reconhecimento pleno, práticas que resistiram por séculos podem desaparecer em poucas décadas.

TAGS:
AUTOR:
Barbara Braga