Afri News
Arqueólogos descobrem primeiras ossadas no cemitério de escravizados em Salvador
Escavações revelam vestígios de um passado silenciado por quase dois séculos

Pesquisadores localizaram, pela primeira vez, ossadas humanas no antigo cemitério de escravizados do Campo da Pólvora, em Salvador. O local, há anos usado como estacionamento do Complexo da Pupileira, no bairro de Nazaré, estava encoberto desde 1844. A descoberta, anunciada nesta segunda-feira (26), é considerada um marco para a memória da população negra e periférica da capital baiana.
Coordenado pela arqueóloga Jeanne Dias, o projeto identificou ossos e dentes a cerca de 2,5 metros de profundidade. O solo úmido e ácido dificultou a preservação, mas os fragmentos serão submetidos a tratamento de conservação. A equipe não divulgou imagens por se tratar de um patrimônio sensível, de valor simbólico incalculável.

As escavações começaram em 14 de fevereiro de 2025, data simbólica que marca os 190 anos da Revolta dos Malês. Apenas dois dias depois, surgiram os primeiros vestígios. A expectativa é de que entre os enterrados estejam pessoas ligadas às revoltas negras mais emblemáticas do Brasil: Malês (1835), Búzios (1798) e Revolução Pernambucana (1817).
A localização do cemitério só foi possível graças à pesquisa de doutorado da arquiteta e urbanista Silvana Olivieri, da UFBA, que cruzou mapas do século 18 com registros históricos da Santa Casa de Misericórdia. O levantamento revelou que o local abrigou, por mais de 150 anos, corpos de africanos escravizados, indígenas, ciganos e pessoas pobres, todos sepultados em valas comuns, sem ritos ou dignidade.

A Santa Casa, atual gestora da Pupileira, foi informada sobre a redescoberta em 2024, mas não respondeu aos contatos da equipe. A intervenção arqueológica só começou após articulação entre Silvana, o professor de Direito da UFBA Samuel Vida e o Ministério Público da Bahia, que intermediou um processo de conciliação para liberar as escavações.